A árvore e ecossistema

A propósito do voluntariado de 9 de Dezembro nas propriedades da Pampilhosa, foram levantadas questões sobre as opções de gestão da propriedade com que vale a pena perder algum tempo.

Essencialmente questionava-se a opção de cortar os eucaliptos da propriedade porque o enraizamento e desenvolvimento inicial das Quercus (de que seria exemplo o Quercus orocantabrica, potencialmente ocorrente na área em causa) é mais favorável com ensombramento.

Independentemente das questões de classificação recente dos carvalhos (neste caso, o que antigamente era carvalho alvarinho e classificado como Quercus róbur, que agora é classificado em duas espécies distintas, uma das quais o referido Quercus orocantabrica), e mais ainda, independentemente de a vegetação natural potencial ser de facto dominada pelo Quercus orocantábrica e não por outra Quercus, subsiste a questão de saber se seria preferível manter o ensombramento, para facilitar a regeneração natural destas quercus, esperando que tivessem uns dois metros, ou cinco centímetro de diâmetro à altura do peito para, então, cortar os eucaliptos.

Há uma linha de pensamento na conservação da natureza que se foca prioritariamente no resultado que se pretende atingir. É uma linha de pensamento que parte de uma vegetação natural potencial identificada e entende que os esforços centrais de conservação devem ser no sentido de se atingir esse objectivo o mais rapidamente possível, estando frequentemente associada a complexos processos de inventariação botânica prévia a intervenções de gestão.

O objectivo é caracterizar o melhor possível as acções que mais rapidamente atingem o objectivo definido (por exemplo, as sementeiras e plantações devem ser prioritariamente orientadas para a reposição do conjunto de espécies que caracterizam a vegetação potencial natural do sítio).

Essa nunca foi a opção da Montis.

A Montis tem partido do princípio de que a natureza é demasiado complexa para que seja útil gerir em função de uma ideia que se defina como sendo o ponto culminante da evolução ecológica.

Acresce que o futuro está cheio de imprevistos que impedem o desenho de processos lineares para longos períodos de tempo, incluindo perturbações profundas, como as que resultam do regime de fogo.

A Montis tem optado por definir objectivos em prazos relativamente curtos, procurando ir avaliando em cada momento os resultados das acções, actuando sobre os processos que podem influenciar a evolução dos sistemas.

O que a associação pretende não é influenciar politicamente decisões de terceiros, é bom que seja feito, mas quase todas as associações ambientais se dedicam a essa tarefa.

Não pretende assegurar a conservação das melhores áreas de conservação que existem, é bom que seja feito, mas há muito quem o faça e está legalmente consagrada essa necessidade de sua conservação do que existe.

Não pretende o restabelecimento de uma grande área de conservação sem intervenção humana, como pretendem os que se dedicam ao rewilding.

A Montis quer levar gestão onde ela não existe e orientá-la para criar áreas com maior diversidade biológica e interesse de conservação, isto é, pretende criar biodiversidade onde ela não existe ou é escassa.

Porque a Montis tem poucos recursos, e a área sem gestão no país é imensa, procura-se gerir o máximo de área com um mínimo de recursos, orientando a actividade para intervenções que acelerem a evolução dos processos naturais, aumentando a diversidade biológica, sem uma definição muito estrita do que será o resultado a obter.

No caso concreto, é bastante irrelevante que boa parte das espécies de carvalho regenerem bem à sombra.

Os eucaliptais estavam abandonados há anos, sem gestão, e a regeneração natural era muito pouco variada.

Não se pode esperar que, neste caso concreto, a regeneração natural seja muito expressiva num primeiro momento, com ou sem sombra, dada a pobreza do solo, a escassez de humidade e a raridade de fontes que alimentem um banco de sementes robusto e diverso.

A opção de forçar a presença dessas espécies através de plantações ou sementeiras é frequente, mas os resultados, com ou sem a presença da sombra, são pobres e frequentemente arrasados por uma gestão do fogo que, pretendendo evitá-lo, aumenta a probabilidade da presença de fogos destrutivos em detrimento de fogos de regeneração, ecologicamente ricos.

A opção habitual da Montis, nestas circunstâncias é investir no capital, sem pressa em retirar dividendos, mesmo que sejam dividendos em biodiversidade.

O corte dos eucaliptos não era fundamental, mas ao cortá-los ganha-se espaço e luz, enquanto se devolvem ao solo nutrientes provenientes das partes dos eucaliptos que não foram transportadas para fora do terreno.

Há uma quantidade relevante de nutrientes que estavam nas copas das árvores, e há também uma grande quantidade de nutrientes associada às raízes.

Com o corte das árvores, entram recursos financeiros provenientes da venda da madeira (residuais, mas que não são de desprezar), acumulam-se sobre o solo os sobrantes, e a degradação das raízes permite abrir espaço para as raízes de outras plantas.

Este processo é alavancado com técnicas de engenharia natural que aumentam a retenção do solo e o banco de sementes é enriquecido com sementeiras e plantações, sabendo que as taxas de sucesso são bastante baixas.

Em havendo possibilidade, o que será avaliado a seu tempo neste caso concreto, usa-se o fogo controlado para apoiar o enriquecimento do solo e aumentar a produtividade do sistema.

Com mais luz, mais nutrientes, mais acumulação de solo, mais espaço, mais propágulos, o que se espera é que haja uma resposta do ecossistema no sentido de uma maior produtividade primária, maior acumulação de matéria orgânica no solo e mais diversidade, isto é, que as condições base pra o desenvolvimento do sistema melhorem.

Se o que vai aparecer depois corresponde ao que o que sabemos sobre vegetação natural potencial é, nos primeiros tempos, irrelevante, para além de que haverá tempo para ir influenciando essa evolução com a gestão posterior.

A ideia de que foi um erro cortar os eucaliptos, parte do princípio de que o ideal seria aparecerem carvalhos encostados a eucaliptos, beneficiando da sombra e humidade criados pela árvore que já existe.

Sucede que durante os anos em que o eucaliptal esteve abandonado e sem gestão, esses carvalhos não apareceram.

Mais importante, o corte do eucaliptal não significa uma maior exposição do solo ao Sol, pelo contrário, significa uma menor exposição do solo porque os sobrantes do corte de eucaliptos estão espalhados no terreno e irão, lentamente, apodrecendo.

O que a Montis está a tentar é aumentar a velocidade da transição favorecendo o processo intermédio de substituição do eucaliptal por matos e herbáceas que permitam ao solo evoluir.

Num primeiro momento, o foco não é o eventual carvalhal, sobreiral, azinhal, seja o que for, que um dia provavelmente estará instalado na propriedade, o foco é o solo em que assenta a evolução do sistema.

Mesmo durante a transição, espera-se uma maior diversidade que no eucaliptal que estava instalado, quer porque a sua remoção tende a aumentar o número de espécies presentes, na sequência de uma maior diversidade de nichos ecológicos, quer porque a quantidade apreciável de nutrientes que estava parada na copa das árvores é mobilizada pelo espalhamento de sobrantes no solo e o apodrecimento das raízes das árvores mortas.

Criam-se, assim, condições favoráveis ao desenvolvimento de sistemas radiculares de outras plantas (para não falar no aumento previsível de diversidade de invertebrados que irão explorar a maior variedade de nichos ecológicos criados).

Tal como em todas as outras propriedades geridas pela Montis, o que fazemos tem objectivos muito ligados ao aumento de diversidade e dos factores que favorecem a produtividade primária, com especial destaque para a recuperação de solos empobrecidos.

Umas vezes correrá bem, outras vezes correrá mal, o que se pretende é apenas não repetir os mesmos erros e ir aprendendo com os que formos fazendo, enquanto se espera que os processos naturais se desenvolvam e resultem em mais diversidade e complexidade dos sistemas.

Saber hoje que espécies estarão naquele terreno daqui a trinta anos é uma curiosidade legítima, mas não mais que uma curiosidade.

Henrique Pereira dos Santos

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