Adenda: Há uma imprecisão neste texto porque onde se lê campanhas feitas em Portugal dever-se-ia ler campanhas feitas com base em plataformas portuguesas. De facto o Grupo Lobo fez uma campanha através da plataforma Indiegogo que mobilizou 71 300 dólares dos 250 mil pedidos.
Talvez por isso nos perguntem como é possível mobilizar tanto dinheiro numa campanha feita por uma pequena associação de conservação da natureza sem estrelas mediáticas e practicamente ignorada pela imprensa?
Em primeiro lugar, a Montis não é principiante no uso de crowdfunding, pelo contrário, das vinte campanhas mais financiadas em Portugal, três foram promovidas pela Montis. A Montis fez ainda uma quarta campanha, pequena, em torno dos 2 500 euros, cujos objectivos se prendiam mais com comunicação que com financiamento.
Para nós o recurso ao crowdfunding, e em geral ao crowdsourcing, isto é, à capacidade de ir buscar à multidão recursos que nos são úteis para a gestão da organização – voluntariado, ciência cidadã, inovação, financiamento, etc. – é uma opção de base que nos obriga ao confronto entre o que achamos que é útil à sociedade e o que a sociedade pensa sobre o que fazemos.
O crowdfunding é um instrumento de financiamento pelo qual optámos desde o início, e sempre o encarámos como sendo um instrumento de comunicação poderoso e barato, portanto sempre estivemos dispostos a fazer campanhas em que o risco de não obter financiamento é elevado, mas em que os ganhos de comunicação possam ser, ainda assim, compensadores.
O que procuramos fazer é definir objectivos claros, palpáveis, simples de compreender e que correspondam a necessidades de gestão nossas, mas também respondam a preocupações dos nossos potenciais apoiantes.
Só depois desta definição é que orçamentamos e avaliamos se o valor pedido é minimamente realista, sendo certo que campanhas que visam coisas mais concretas, como a compra de terrenos para conservação, são mais sólidas que campanhas mais imateriais, como o lançamento do nosso programa de voluntariado.
A partir desse momento planeamos a campanha em função da sua dificuldade, sabendo que um arranque forte é útil, mas não suficiente, que por mais esforços que façamos é muito pouco provável que a fase intermédia da campanha não dê a sensação de estar a morrer, sendo preciso chegar à fase final da campanha mantendo a expectativa de que é possível atingir o objectivo pretendido.
Naturalmente temos dois públicos essenciais que nunca descuramos: a) os nossos sócios; b) os doadores das anteriores campanhas de crowdfunding. Temos perfeita consciência de que, antes de tudo, das boas ideias, do bom planeamento, da boa definição de recompensas, seja do que for, o factor chave para o sucesso da campanha é a confiança das pessoas em nós.
Em rigor, estamos permanentemente em preparação para as campanhas futuras ao produzir informação transparente sobre a aplicação de recursos, resultados obtidos e o dia a dia do que fazemos, e pensamos que essa terá sido uma das razões que nos permitiram ter sucesso nesta campanha, apesar de um objectivo de quase trinta mil euros (que não sabíamos que nunca tinha sido alcançado por outra campanha, excluindo as duas de apoio à greve de enfermeiros e a de Nuno Markl).
Pensamos que esse trabalho permanente de reforço da confiança no nosso trabalho, que tem sempre de começar nos que nos são mais próximos, tem permitido que a doação média tenha vindo a subir de campanha em campanha, isto é, para além do número de doadores ter vindo a aumentar, também o que cada um está disposto a dar tem vindo a aumentar, o que para nós foi a maior e mais agradável surpresa da campanha.
Note-se que há uma diferença muito grande entre a doação média, em torno dos 75 euros, para a doação mediana, isto é, o valor que separa a metade de doações mais baixas da metade de doações mais altas, que está nos 25 euros.
Estes resultados explicam-se porque sabendo da dificuldade da campanha, procurámos, ainda antes do seu lançamento, falar com doadores que pudessem estar disponíveis para doações maiores, o que deu origem a um conjunto relevante de doadores entre os 200 e os 500 euros e uma doação de 3 mil euros que, naturalmente, fazem subir a média e a afastam da imensa maioria dos doadores, que na verdade contribuem com doações mais pequenas: como referido acima, 50% das doações estão abaixo dos 25 euros.
Do ponto de vista da campanha, o que nos parecia ser o maior desafio era manter a expectativa de que seria possível ter sucesso, sobretudo ao longo do longo mês intermédio da campanha, depois do arranque inicial e antes do impulso final que, de maneira geral, é forte se a expectativa de sucesso for alimentada.
Para lidar com este desafio, adoptámos duas linhas de trabalho.
Por um lado, de um ponto de vista estritamente financeiro, reservámos um montante próprio para fazer “auto-doações” em momentos-chave em que sentíssemos que o risco da expectiva de sucesso poderia morrer. Por outro lado, pedimos aos nossos mais próximos que, se tivessem intenções de fazer doações, as fizessem, tanto quanto possível, neste período crítico.
Por outro lado, e bem mais importante, planeámos a maior parte das actividades de contacto directo com potenciais doadores (passeios, colóquios, visionamento de filmes, actividades de desenho na natureza, actividades de registo de informação de biodiversidade, oficinas de cozinha, etc.) para este período, quer porque sabemos que o contacto directo é muito importante na motivação de doadores, quer porque este conjunto de actividades nos permitia estar permanentemente a falar da campanha sem ser excessivamente repetitivos.
A preparação dos materiais base para a campanha, o vídeo e, no caso desta campanha que era para compra de terras, mapas, fotografias, orçamento, texto explicativo é sempre uma preocupação central e damos especial importância aos comentários que nos fazem, antes e depois da campanha lançada, procurando mudar rapidamente o que percebemos que não está a ser compreendido ou a motivar perguntas. Por exemplo, o nosso orçamento tinha cinco mil euros para gestão de combustíveis florestais, isto é, gestão de matos, fogos controlados, etc., mas logo nos primeiros dias alguém disse que apoiaria a campanha, mas achava excessivos os 5 mil euros para gasolina, o que nos levou a alterar a descrição desse item do orçamento quando percebemos que poderia ter essa leitura.
A capacidade de responder e adaptarmo-nos às reacções das pessoas é uma coisa que também faz parte do planeamento: procuramos nunca ter mais de um dia útil de resposta a qualquer contacto ou doação, e procuramos estar disponíveis para integrar as iniciativas de apoio, ou as sugestões de terceiros, como foi o caso de várias ante-estreias, seguidas de debate, de um vídeo feito por um sócio que sugeriu usá-lo neste contexto, tendo sido um êxito inesperado para a campanha.
No caso específico das nossas campanhas, e penso que aí nos afastamos de uma boa parte das campanhas de crowdfunding, procuramos definir boas recompensas, mas não temos ideia de que sejam um factor relevante nas doações.
Por fim, se pudéssemos rebobinar a fita do tempo e começar a campanha agora, talvez alterássemos algumas das actividades: programámos actividades a mais que nos pareciam (e pensamos que os participantes também são da mesma opinião) interessantes, mas que na realidade têm um potencial mínimo de gerar doações. Acreditamos que na próxima campanha iremos dedicar mais tempo a tentar responder a uma pergunta central: por mais interessante que seja a actividade, o seu potencial para gerar doações é alto ou baixo?
De uma coisa estamos certos: apesar da olímpica indiferença da imprensa, sobretudo por parte dos jornalistas especializados em ambiente (com excepções que agradecemos), apesar dos comentários ignorantes sobre o crowdfunding como instrumento de lavagem de dinheiro e coisas do género, a campanha valeu a pena, tal como as anteriores, e naturalmente estaremos à procura da melhor oportunidade para fazer a seguinte.
henrique pereira dos santos
A campanha “Como coisa que nos é cedida”, da Montis, é a campanha financiada de crowdfunding que mais dinheiro mobilizou em Portugal, se excluirmos o caso particular das duas campanhas de apoio à greve dos enfermeiros.
Houve, até hoje, uma outra campanha, de Nuno Markl, para fazer um filme, que conseguiu mobilizar mais dinheiro, mas não teve sucesso por ter um objectivo muito alto, sendo inteiramente justa a caracterização então feita pelo promotor: o falhanço de crowdfunding de maior sucesso em Portugal.Talvez por isso nos perguntem como é possível mobilizar tanto dinheiro numa campanha feita por uma pequena associação de conservação da natureza sem estrelas mediáticas e practicamente ignorada pela imprensa?
Em primeiro lugar, a Montis não é principiante no uso de crowdfunding, pelo contrário, das vinte campanhas mais financiadas em Portugal, três foram promovidas pela Montis. A Montis fez ainda uma quarta campanha, pequena, em torno dos 2 500 euros, cujos objectivos se prendiam mais com comunicação que com financiamento.
Para nós o recurso ao crowdfunding, e em geral ao crowdsourcing, isto é, à capacidade de ir buscar à multidão recursos que nos são úteis para a gestão da organização – voluntariado, ciência cidadã, inovação, financiamento, etc. – é uma opção de base que nos obriga ao confronto entre o que achamos que é útil à sociedade e o que a sociedade pensa sobre o que fazemos.
O crowdfunding é um instrumento de financiamento pelo qual optámos desde o início, e sempre o encarámos como sendo um instrumento de comunicação poderoso e barato, portanto sempre estivemos dispostos a fazer campanhas em que o risco de não obter financiamento é elevado, mas em que os ganhos de comunicação possam ser, ainda assim, compensadores.
O que procuramos fazer é definir objectivos claros, palpáveis, simples de compreender e que correspondam a necessidades de gestão nossas, mas também respondam a preocupações dos nossos potenciais apoiantes.
Só depois desta definição é que orçamentamos e avaliamos se o valor pedido é minimamente realista, sendo certo que campanhas que visam coisas mais concretas, como a compra de terrenos para conservação, são mais sólidas que campanhas mais imateriais, como o lançamento do nosso programa de voluntariado.
A partir desse momento planeamos a campanha em função da sua dificuldade, sabendo que um arranque forte é útil, mas não suficiente, que por mais esforços que façamos é muito pouco provável que a fase intermédia da campanha não dê a sensação de estar a morrer, sendo preciso chegar à fase final da campanha mantendo a expectativa de que é possível atingir o objectivo pretendido.
Naturalmente temos dois públicos essenciais que nunca descuramos: a) os nossos sócios; b) os doadores das anteriores campanhas de crowdfunding. Temos perfeita consciência de que, antes de tudo, das boas ideias, do bom planeamento, da boa definição de recompensas, seja do que for, o factor chave para o sucesso da campanha é a confiança das pessoas em nós.
Em rigor, estamos permanentemente em preparação para as campanhas futuras ao produzir informação transparente sobre a aplicação de recursos, resultados obtidos e o dia a dia do que fazemos, e pensamos que essa terá sido uma das razões que nos permitiram ter sucesso nesta campanha, apesar de um objectivo de quase trinta mil euros (que não sabíamos que nunca tinha sido alcançado por outra campanha, excluindo as duas de apoio à greve de enfermeiros e a de Nuno Markl).
Pensamos que esse trabalho permanente de reforço da confiança no nosso trabalho, que tem sempre de começar nos que nos são mais próximos, tem permitido que a doação média tenha vindo a subir de campanha em campanha, isto é, para além do número de doadores ter vindo a aumentar, também o que cada um está disposto a dar tem vindo a aumentar, o que para nós foi a maior e mais agradável surpresa da campanha.
Note-se que há uma diferença muito grande entre a doação média, em torno dos 75 euros, para a doação mediana, isto é, o valor que separa a metade de doações mais baixas da metade de doações mais altas, que está nos 25 euros.
Estes resultados explicam-se porque sabendo da dificuldade da campanha, procurámos, ainda antes do seu lançamento, falar com doadores que pudessem estar disponíveis para doações maiores, o que deu origem a um conjunto relevante de doadores entre os 200 e os 500 euros e uma doação de 3 mil euros que, naturalmente, fazem subir a média e a afastam da imensa maioria dos doadores, que na verdade contribuem com doações mais pequenas: como referido acima, 50% das doações estão abaixo dos 25 euros.
Do ponto de vista da campanha, o que nos parecia ser o maior desafio era manter a expectativa de que seria possível ter sucesso, sobretudo ao longo do longo mês intermédio da campanha, depois do arranque inicial e antes do impulso final que, de maneira geral, é forte se a expectativa de sucesso for alimentada.
Para lidar com este desafio, adoptámos duas linhas de trabalho.
Por um lado, de um ponto de vista estritamente financeiro, reservámos um montante próprio para fazer “auto-doações” em momentos-chave em que sentíssemos que o risco da expectiva de sucesso poderia morrer. Por outro lado, pedimos aos nossos mais próximos que, se tivessem intenções de fazer doações, as fizessem, tanto quanto possível, neste período crítico.
Por outro lado, e bem mais importante, planeámos a maior parte das actividades de contacto directo com potenciais doadores (passeios, colóquios, visionamento de filmes, actividades de desenho na natureza, actividades de registo de informação de biodiversidade, oficinas de cozinha, etc.) para este período, quer porque sabemos que o contacto directo é muito importante na motivação de doadores, quer porque este conjunto de actividades nos permitia estar permanentemente a falar da campanha sem ser excessivamente repetitivos.
A preparação dos materiais base para a campanha, o vídeo e, no caso desta campanha que era para compra de terras, mapas, fotografias, orçamento, texto explicativo é sempre uma preocupação central e damos especial importância aos comentários que nos fazem, antes e depois da campanha lançada, procurando mudar rapidamente o que percebemos que não está a ser compreendido ou a motivar perguntas. Por exemplo, o nosso orçamento tinha cinco mil euros para gestão de combustíveis florestais, isto é, gestão de matos, fogos controlados, etc., mas logo nos primeiros dias alguém disse que apoiaria a campanha, mas achava excessivos os 5 mil euros para gasolina, o que nos levou a alterar a descrição desse item do orçamento quando percebemos que poderia ter essa leitura.
A capacidade de responder e adaptarmo-nos às reacções das pessoas é uma coisa que também faz parte do planeamento: procuramos nunca ter mais de um dia útil de resposta a qualquer contacto ou doação, e procuramos estar disponíveis para integrar as iniciativas de apoio, ou as sugestões de terceiros, como foi o caso de várias ante-estreias, seguidas de debate, de um vídeo feito por um sócio que sugeriu usá-lo neste contexto, tendo sido um êxito inesperado para a campanha.
No caso específico das nossas campanhas, e penso que aí nos afastamos de uma boa parte das campanhas de crowdfunding, procuramos definir boas recompensas, mas não temos ideia de que sejam um factor relevante nas doações.
Por fim, se pudéssemos rebobinar a fita do tempo e começar a campanha agora, talvez alterássemos algumas das actividades: programámos actividades a mais que nos pareciam (e pensamos que os participantes também são da mesma opinião) interessantes, mas que na realidade têm um potencial mínimo de gerar doações. Acreditamos que na próxima campanha iremos dedicar mais tempo a tentar responder a uma pergunta central: por mais interessante que seja a actividade, o seu potencial para gerar doações é alto ou baixo?
De uma coisa estamos certos: apesar da olímpica indiferença da imprensa, sobretudo por parte dos jornalistas especializados em ambiente (com excepções que agradecemos), apesar dos comentários ignorantes sobre o crowdfunding como instrumento de lavagem de dinheiro e coisas do género, a campanha valeu a pena, tal como as anteriores, e naturalmente estaremos à procura da melhor oportunidade para fazer a seguinte.
henrique pereira dos santos
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