Pela neve nos baldios de Alvadia

Entre os raios de sol que iluminavam Cerva pela manhã no passado sábado, deslocamo-nos colina acima até aos baldios de Alvadia. A neve começou a aparecer com a subida, timidamente entre os matos rasteiros e bermas da estrada, para depois se tornar um manto contínuo a cobrir os lameiros que abraçam o rio Poio e os lugares de Lamas, Favais e Alvadia. O grupo Montis encontrou-se na sede da Junta de Freguesia de Alvadia para dar início ao passeio mensal de Março. A curiosidade em conhecer o modelo de gestão daquela paisagem de montanha aguçava-se com o céu de primavera e o frio de inverno.


O Avelino Rego, recebeu-nos imediatamente com um convite para café na casa do Sr. Raul, um dos pastores que diariamente levam as suas cabras pela montanha. A simpatia e a proximidade que acompanharam o café e os biscoitos deixou o grupo de coração quente.
Seguia-se uma caminhada de cerca de 11km pela região. Começámos com a visita a um estábulo onde estavam confortavelmente acomodadas cerca de 300 cabras. Aqui o mato retirado dos baldios encontra-se espalhado ao longo da maior parte do chão do estábulo, formando um colchão comum para o rebanho. Além do conforto que proporciona às cabras, este “manto” vai recebendo ao longo dos meses os excrementos dos animais, e progressivamente vai ficando curtido até que possa ser utilizado como adubo natural. É um processo muito comum na gestão tradicional da paisagem portuguesa, e que demonstra muito bem o conhecimento empírico sobre os processos naturais e da maximização da sua utilização: gere-se combustível, proporciona-se conforto aos animais e enriquecem-se os solos. Todos ganham, nada se perde.


A caminhada levou-nos ao vale do rio Póio, e entre os carvalhos e os lameiros o Avelino explicou-nos a gestão de combustíveis que pretendem fazer com o fogo controlado a realizar ainda este ano, criando faixas de descontinuidade ao longo das curvas de nível, que são periodicamente queimadas. Estas acções são complementadas com áreas de retenção de sedimentos para acumulação de solo. Ainda que com um propósito nuclearmente diferente do da Montis (que tem usado o fogo controlado sobretudo para criar oportunidades de gestão), é motivador ver a utilização do fogo como instrumento de gestão da paisagem, nomeadamente integrado em modelos subjacentes a projectos com objectivos de conservação da natureza e promoção da biodiversidade.


Falou-se ainda sobre o futuro do pastoreio e a sua dependência de um emprego a tempo inteiro por parte dos pastores (não há feriados, domingos, nem férias), e também na possibilidade de ter as cabras num regime misto, alternando o pastoreio livre com períodos em cercado, de forma a tornar menos “pesado” o papel do pastor. “Já se falou nisso mas os pastores aqui gostam muito das suas cabras, e não querem condicionar a sua dieta à prisão do cercado. Quando as cabras andam no monte podem escolher o que querem comer.”, comentou o Avelino. 



Atravessando um bosquete mais denso, o Avelino explicava como é que acções tão simples como a acumulação em pilhas das pedras espalhadas por alguns terrenos pode permitir a entrada de máquinas (como a cegadeira) naqueles espaços, maximizando a sua gestão. Este é um dos trabalhos que estão a executar na actualidade, e algumas áreas onde até então pouco se fazia tornaram-se novas oportunidades para a comunidade.
O modelo de gestão da área prevê ainda a criação de pequenos bosquetes, recorrendo ora à plantação, ora à regeneração natural, para gerir a biodiversidade da paisagem e simultaneamente providenciar abrigo aos animais nos meses de calor.
Terminamos a visita no lugar de Lamas, em casa da Dona Cândida, que nos presenteou com uma verdadeira merenda de enchidos, pão, broa, mel e outros produtos locais. O grupo agradeceu.
O modelo de gestão dos baldios de Alvadia possui muitas semelhanças com os modelos da Montis, e na prática muitas das acções de gestão são semelhantes. Contudo, o que mais retive da visita, e que está também subjacente ao modelo da Montis, foi a preocupação em construir e consolidar um modelo assente não nas acções, mas no envolvimento da comunidade, na gestão pelas pessoas. Parece-me que este é o caminho para garantir a prevalência da gestão no tempo, com a sua efectiva interiorização e colocação em prática.


Nestas paisagens ainda cheira a cabra e a vacas, e é muito motivador conhecer o projecto, as pessoas que lhe dão vida, e o Avelino Rego com o seu espírito (verdadeiramente) empenhado na valorização do mundo rural como método de combate aos problemas de gestão da paisagem deste país.
Da minha parte ficou a promessa de voltar no Verão.


Jóni Vieira

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