E porque não fazem de outra maneira?

No meio da minha actividade de mobilização dos meus amigos e conhecidos para a campanha “Do eucaliptal até à mata”, recebo respostas com dúvidas e discordâncias.

Por me parecer que podem ser dúvidas de muito mais gente, resolvi transcrever algumas, com pequenas adaptações, respondendo o que me pareceu que poderia ter interesse sobre cada um dos assuntos focados.


“Tenho preferência pela compra. Pedir dinheiro para gestão corrente não vão longe. Essa é a minha questão de fundo.”

A Montis também tem preferência pela compra de terrenos e preferia usar o crowdfunding essencialmente para isso. Mas numa fase em que a sua estrutura ainda é demasiado frágil, é preciso demonstrar para que serve comprar terrenos, por isso temos alternado as campanhas de crowdfunding para compra de terrenos com campanhas que nos permitam ir assegurando a sua gestão.


“Não há outras formas de financiar a gestão do terreno que com crowdfunding? Por exemplo, a venda dos eucaliptos não pode financiar o seu arranque? A verba do corte de eucaliptos diz que poderá ser coberta por venda de madeira, mas se é assim porque não se assegura isso primeiro? O corte de eucalipto deveria ser pago pela matéria-prima. 18 mil euros para cortar um eucaliptal é excessivo”.
 

Antes de lançar esta campanha passámos muito tempo a discutir alternativas, procurámos envolver terceiros na reconversão do eucaliptal, incluindo as celuloses, fizemos várias candidaturas a sistemas de financiamento disponíveis ou potenciais, mas não conseguimos nada de concreto por essa via. A partir de certa altura entendemos que era mesmo preciso intervir. O que está em causa não é apenas o corte dos eucaliptos, mas a reconversão do eucaliptal. Grande parte do orçamento não se prende com a operação de corte – que pode ou não ser financiada pelo material em pé que temos, que é de valor reduzido, mas talvez motive o interesse de algum madeireiro, o que até agora não aconteceu – mas sim com as operações subsequentes de quebrar a rebentação de varas que, forçosamente, se segue ao corte. Havia três opções base: corte com arranque dos cepos, uma operação cara, com profundas implicações no solo e a mobilização de maquinaria pesada e por isso foi abandonada, corte seguido de pulverização com glifosato, provavelmente a maneira mais eficaz de desvitalização dos eucaliptos, mas que teria de ser feita totalmente com recurso a serviços externos, sem envolvimento das pessoas comuns na gestão, ou aquela em que nos acabámos por fixar, o corte seguido da retirada, durante vários anos até à exaustão da raiz, das varas que irão rebentar após esse corte, que é uma operação de mão de obra intensiva, menos eficaz, mas permite o envolvimento de pessoas comuns na gestão. Para nós a reconversão do eucaliptal não é uma operação de gestão corrente, mas um investimento que visa criar condições para uma evolução diferente do ecossistema, mais favorável do ponto de vista da biodiversidade.


“Não se diz se isto é uma operação one off ou se para o ano voltam a pedir mais 18 mil euros, pois isto da gestão é um contínuo e não havendo um modelo de negócio é só contas a pagar e nenhum retorno. Eu vejo o crowdfunding como a versão associativa dos investidores de risco em empresas em dificuldades. Ou seja, serve para fazer investimentos, como é o caso da compra de terrenos. No caso da gestão, eu vejo que faria sentido para criar um modelo de negócio que auxiliasse a gestão corrente e criasse retorno para a financiar no futuro. Deveriam pensar num modelo de negócio para a gestão deste tipo de áreas por forma a dar sustentabilidade económica ao projeto. Pedir dinheiro para cortar e queimar, incluindo salários, é adiar um novo pedido. É dinheiro para gestão corrente e não investimento”. 

Para nós é um investimento a cinco anos que pretende erradicar o eucalipto destas áreas, criando condições para que a evolução do ecossistema tome outro rumo. Seria bom que encontrássemos um modelo de gestão que trouxesse retorno, mas até agora, mantendo a prioridade na criação de biodiversidade, não o conseguimos encontrar. O que está em causa não é cortar e queimar como operações recorrentes de gestão, o que está em causa é um conjunto de operações, incluindo cortar e queimar, mas não só, que resultam numa alteração de circunstâncias que garantem uma evolução, mesmo sem gestão, mais favorável à biodiversidade.


“Além do mais, não é prioritário cortar o eucaliptal. até pode lá estar até ser consumido pelas phoracantas. o problema dos eucaliptais é menos a árvore e mais o sistema reprodução. Quando os eucaliptos estiverem grandes, poderão ser vendidos a melhor preço pelo que seriam encaixe financeiro para a associação em vez de um custo. Ou estão numa zona favorável e podem tornar-se invasores, ou estão em terrenos desfavoráveis e não são invasores, sendo propensos a serem consumidos por pragas, é questão de tempo até morrerem. E se não morrerem, crescem e ganham valor económico e ecológico pois servem de abrigo a algumas espécies. Não estou a falar de gerir o eucaliptal para ter valor. Estou a falar de não perder dinheiro no seu desbaste e aproveitar o retorno que se possa aproveitar mais adiante, quando faça sentido cortar”. 

Essa foi a primeira hipótese a ser avaliada, mas os eucaliptos que lá estão resultam de um corte feito há anos, sem posterior selecção de varas, pelo que a possibilidade de os gerir para obter um rendimento futuro implica uma série de operações, que têm custos, sem garantia de rendimento razoável e com um risco de fogo elevado. Sem gerir o que lá está a passagem do tempo não vai trazer, em prazos razoáveis, qualquer valor relevante. Gerir a vegetação envolvente, mantendo os eucaliptos até que fossem ficando caducos seria uma hipótese se a regeneração da vegetação natural fosse interessante, o que está muito longe de acontecer. Daí a opção de mudar radicalmente as circunstâncias como condição para uma evolução favorável à biodiversidade, mesmo com baixa gestão, como a que se prevê, no fim do projecto de intervenção que esta campanha pretende financiar.


“Não se percebe porquê tanto dinheiro para voluntários dado que a premissa do voluntariado é poupar dinheiro através da dádiva de tempo e energia dos voluntários (ou seja está-se a pedir duplo financiamento para o mesmo). Confesso que, mais de 6000 euros em voluntariado parece excessivo e não estando explicado suscita perguntas sobre o que incluirá (suponho que viagens e comida mas...)”. 

Trata-se de um valor para cinco anos de actividades com voluntariado. A nossa concepção de voluntariado não é totalmente a que está expressa: o trabalho voluntário é caro e, de maneira geral, menos eficiente que o trabalho profissional. Apesar de não haver pagamento do trabalho, a verdade é que a mobilização de voluntários, a gestão dos voluntários, deslocações, alimentação, dormidas, seguros, etc., são custos relevantes e a razão pela qual a Montis investe francamente no voluntariado prende-se com o envolvimento das pessoas comuns na gestão das propriedades, muito mais que nas suas vantagens económicas directas.


“Salários é custo geral que deveria ser assumido pelos associados”.

Compreende-se este comentário, e a Montis gostaria de poder aplicar este princípio, mas neste momento não é possível, temos mesmo que procurar ir financiando os custos de estrutura que estão associados às actividades programadas.


“No topo disto soma-se a comissão da plataforma de crowdfunding”

É um custo que temos de assumir, como o IVA ou a segurança social dos trabalhadores ou os seguros dos voluntariados. Não temos razão de queixa do serviço prestado por esta plataforma, gostaríamos que a sua comissão fosse mais baixa (já foi, mas as comissões bancárias corriam por parte dos doadores o que levantava questões permanentes, por isso a PPL preferiu aumentar a sua comissão e assumir estes custos), mas as coisas são como são.
 

henrique pereira dos santos

Comentários