E o solo?

Esta talvez seja a pergunta mais frequente sobre a estratégia de fogos muito frequentes que a Montis está a executar.

A área do badio de Carvalhais sob gestão da Montis é de cerca de cem hectares e a Montis queima, em anos diferentes mas com o mesmo intervalo de quatro anos em cada uma, três parcelas de 20, 10 e 20 hectares.

Nesta Terça-feira, 12 de Janeiro, pela primeira vez repetimos a queima na primeira parcela de 20 hectares que tínhamos há quatro anos.

A questão que muitas vezes é levantada é se com esta estratégia não estaremos a aumentar a degradação do solo e empobrecer os sistemas naturais, dando passos a caminho do deserto. O fogo e os efeitos do fogo sobre os elementos naturais não são sempre os mesmos, depende da energia libertada pelo fogo, do tempo de residência da chama e das características da vegetação por onde passa o fogo.

A energia libertada pelo fogo depende da quantidade e qualidade dos combustíveis, nomeadamente do seu grau de secura, e da oxigenação, o que nestes fogos está directamente relacionado com a velocidade do vento. 

O tempo de residência da chama depende dos combustíveis existentes e da velocidade de progressão do fogo, relacionada com o vento, o declive e outros factores.

Por último, as características da vegetação por onde passa o fogo dependem da estrutura da vegetação, em especial da quantidade e forma de disposição das suas partes mais finas e do seu grau de secura no momento do fogo.

Os fogos de Verão ocorrem, principalmente, em circunstâncias de elevada secura, com humidades atmosféricas mínimas – o que influencia o grau de humidade da vegetação viva ou morta – e ventos fortes. Nestas circunstâncias, havendo acumulação de vegetação, incluindo manta morta, os fogos são muito intensos, isto é, libertam muito energia, e tendem a ter um maior grau de severidade, isto é, de afectação da vegetação, porque o grau de secura da vegetação e do solo é muito elevado.

O resultado é um grande consumo dos combustíveis, isto é, há destruição profunda da vegetação, incluindo partes da planta com diâmetros maiores e, mais relevante, um aquecimento do solo e destruição da matéria orgânica dos seus horizontes superficiais – atingindo tanta maior profundidade quanto mais intenso for o fogo e maior o grau de secura do solo – levando à destruição de grande parte da vida subterrânea associada à presença dessa matéria orgânica.

Este tipo de fogos são responsáveis pela degradação dos sistemas naturais que de maneira geral se associa aos fogos: destruição do solo, diminuição da diversidade biológica, diminuição do teor de matéria orgânica dos solos, maior desprotecção e susceptibilidade à erosão, etc..

Em cem hectares de giestal denso, ardido há cerca de dez anos, a existência de fogos deste tipo no Verão é uma certeza, pode demorar mais uns anos, ou menos uns anos, mas um giestal denso, nas circunstâncias do baldio de Carvalhais, vai arder em condições extremas, mais cedo ou mais tarde.
O que a Montis faz é usar o fogo para obter resultados diferentes, mais positivos para a evolução dos sistemas naturais, na perspectiva da Montis, isto é, sistemas mais diversos e com tempos de acumulação de capital natural mais curtos.

Ao fazer-se um fogo em condições de humidade – quer atmosférica, quer do solo -, temperatura e vento escolhidas, ao conduzir esse fogo contra o declive e contra o vento diminuindo a velocidade de propagação e a intensidade, ao contrário do que acontece nos fogos de Verão, e ainda controlando o número e densidade dos pontos de ignição, consegue-se garantir que a energia libertada é bastante limitada, que a afectação do solo não existe, que a afectação da vegetação se limita aos seus elementos mais finos, permitindo a sua rápida recuperação e ainda que a fauna tem tempo para se defender, quer deslocando-se para fora da área ardida, quer escondendo-se em tocas, buracos e pedras que não chegam a aquecer.

O solo não chega a aquecer, os horizontes superficiais não ardem nem se degradam e os materiais resultantes da queima – carvões e cinzas – depositam-se no solo, fertilizando-o.

É verdade que as chuvas seguintes arrastam muitos destes materiais, mas é bom lembrar que a rugosidade do terreno permite que haja zonas que perdem materiais e zonas onde se acumulam materiais, aumentando a fertilidade.

É também verdade que parte destes materiais são arrastados para fora das áreas queimadas, podendo chegar a linhas de água, mas não representam qualquer perda de solo, são resíduos da queima, isto é, os restos das plantas queimadas, sob a forma de cinzas e carvões, e não materiais que estivessem no solo antes da queima.

Desta forma não há degradação do solo, pelo contrário, há enriquecimento do solo, que se vai traduzir numa resposta rápida e forte da vegetação que, podendo ter perdido a parte aérea não viu a sua parte subterrânea afectada e volta a rebentar com vigor – uma das estratégias de adaptação ao fogo que caracteriza toda esta vegetação – ou tendo morrido os exemplares presentes, existe uma resposta do banco de sementes estimulado pelo fogo – a outra estratégia principal de adaptação ao fogo – dando origem a um grande número de novas plantas provenientes das sementes.

Aqui chegados, é legítimo perguntar qual é o interesse de fazer todo este processo de novo ao fim de quatro anos?

No intervalo entre os fogos a Montis faz gestão da parcela ardida: 1) coloca barreiras ao escorrimento superficial para aumentar a retenção das tais cinzas e carvões, e da eventual erosão do solo que existe sempre, com ou sem queima; 2) usa sementeiras para alterar a composição florística existente, nomeadamente com o favorecimento dos carvalhos e outras árvores; 3) pontualmente faz plantações com o mesmo objectivo.

Ou seja, nos quatro anos de intervalo entre duas queimas, a Montis trabalha, aproveitando a diversidade criada pela própria queimada, no sentido de ter sistemas mais diversos com maior variedade de nichos ecológicos e solos mais férteis, de modo a obter uma maior diversidade de todos os grupos, das plantas aos animais passando por invertebrados, fungos, líquenes, etc.

Não o faz de forma uniforme em toda a parcela, bem pelo contrário, executa a generalidade das acções de gestão nas áreas mais favoráveis, que são relativamente limitadas.

A opção por queimar de novo ao fim de quatro anos permite que a segunda (e a terceira e a quarta, enquanto se achar útil) queima se faça com uma acumulação ligeira de combustíveis, o mínimo possível para o fogo controlado ser viável.

Ao ter na parcela uma quantidade limitada de combustível, a realização da queimada é muito mais simples, implicando muito menos riscos, garantindo intensidades mínimas do fogo – verificámos agora que o resultado final do segundo fogo é muito mais diverso que o do primeiro porque algumas áreas arderam deficientemente, ou não arderam, por falta de continuidade de combustível, o que garante maior diversidade de nichos ecológicos – o que permite uma gestão mais fina das áreas a queimar e a salvaguardar.

É muito fácil em cada novo fogo escolher áreas que nesse ano se pretende salvaguardar por se entender que têm uma regeneração natural da vegetação que pode ser afectada, mesmo por fogos de baixa intensidade (por exemplo, embora os carvalhos estejam muito bem adaptados ao fogo, podem ser afectadas por fogo controlado antes dos quatro anos porque a sua casca é ainda demasiado fina para conferir protecção adequada).

Neste fogo, em que estiveram várias pessoas interessadas em avaliar por si os benefícios e os riscos associados a esta estratégia, as discussões sobre como conduzir o processo regenerativo foram excelentes e, por exemplo, Ivan Sellers sugeriu que se aproveitassem os dias imediatamente posteriores ao fogo, em que haverá algum afastamento de javalis e ratos em consequência do intenso cheiro a queimado, para fazer sementeiras de bolota e plantações, procurando avaliar se desta forma se conseguem evitar parte dos problemas recorrentes com destruição de sementeiras e plantações por animais, o que com certeza se irá experimentar.

Em resumo, respondendo à pergunta que é o título deste post, o solo está bem e recomenda-se, num processo de regeneração acelerado pelas acções da Montis, para o qual é fundamental a substituição de fogos intensos por fogos controlados.

Claro que é pena que a Montis ainda não tenha conseguido introduzir animais no processo, o que reduziria substancialmente o tempo necessário à reconstrução destes solos degradados por cinco mil anos de pastoreio intensivo e fogos frequentes, os mesmos instrumentos que queremos usar para reverter o processo de degradação.

henrique pereira dos santos

Comentários