Ao olhar para as duas fotografias, enquadradas por uma troca de informação sobre como tinha corrido o fogo (“desta vez havia claramente mais continuidade de carqueja e urze, mesmo em zonas onde antes existia giestal, é de assinalar essa transição.”, dizem-me), achei que valia a pena fazer uns comentários, ressalvando que não vou a nenhum dos terrenos geridos pela MONTIS há muito tempo.
A MONTIS começa a nascer, mesmo que os pais ainda não soubessem, quando eu era director-geral da ATN (Associação Transumância e Natureza) e, nessas funções, contratei o João Cosme para um trabalho de fotografia ao longo do rio Côa.
Rapidamente o Paulo Pereira, que vivia em Oliveira de Frades nessa altura (o João Cosme em Vouzela e a minha família é de São Pedro do Sul e Oliveira de Frades), se juntou e eu acabei por falar ao Nuno Gomes, que é de São Pedro do Sul, começando os quatro a discutir a possibilidade de se fazer uma associação de conservação com o foco na gestão de terrenos, seguindo o exemplo da ATN, mas com um modelo de gestão mais aberto, mais transparente, mais assente nos sócios e com regras de gestão administrativa e financeira sólidas.
Ainda antes da constituição formal da associação, Nuno Gomes afastou-se, por discordar do caminho da associação, bastante mais tarde, já com a associação em pleno funcionamento, Paulo Pereira, que foi muito importante no lançamento da associação, achou que o caminho que a MONTIS levava não lhe interessava e João Cosme, que sempre foi manifestando algumas divergências de orientação geral (na verdade todos tínhamos coisas em que concordávamos e outras em que discordávamos), deixou de colaborar tão assiduamente, embora sempre tenha estado nos órgãos sociais da MONTIS.
Eu próprio deixei de ser presidente no mandato anterior ao actual (até por questões estatutárias, não é possível exercer mais de dois mandatos no mesmo órgão social) e, embora continue nos órgãos sociais, já tenho muito pouca ligação à gestão diária da MONTIS.
Resumindo, a associação atingiu a maioridade porque tem uma dinâmica que é autónoma em relação aos seus fundadores.
E é este o contexto que me fez olhar para o mais relevante dos terrenos em que a MONTIS tem trabalhado, mesmo não estando incluindo nos cerca de 17 hectares que a MONTIS comprou.
A opção pela gestão de cem hectares no baldio de Carvalhais foi, desde o princípio, uma opção de risco e havia opiniões divergentes sobre essa opção.
O terreno era grande de mais para os meios de que a associação dispunha, o terreno era muito difícil, estava num estado de difícil intervenção por ser um giestal alto e denso, quase impenetrável e quase contínuo, nisso estávamos todos de acordo, no que havia divergências era na avaliação do risco de estarmos a dar um passo maior que a perna.
Essencialmente procurou-se obter resultados de gestão no menor tempo possível, aplicando o mínimo de recursos possível (aqui pode ter-se informação mais pormenorizada sobre a sua gestão nestes anos) e a utilização do fogo pareceu a solução mais razoável para atingir os objectivos de conservação pretendidos.
Nove anos depois da fundação da MONTIS, acho que os resultados são muito bons, mesmo que ainda sejam relativamente pouco visíveis para olhos menos habituados a interpretar a dinâmica das paisagens.
Fez-se um plano de fogo controlado para mais ou menos metade da área gerida pela MONTIS (na outra metade há muito pouca intervenção, permite por isso fazer comparações para avaliação de resultados), dividida em três parcelas, que seriam queimadas de quatro em quatro anos, cada uma anos sucessivos, com um ano sem fogo controlado.
Com isto conseguimos criar condições para gerir em metade dos cem hectares sob nossa responsabilidade, o que aproveitámos para fazer acções de engenharia natural para retenção de solo e nutrientes, condução da regeneração natural, sementeiras, plantações, registos de biodiversidade, etc..
Independentemente dos efeitos progressivos que essas acções de gestão irão produzindo, o fogo permitiu ter quatro áreas distintas em cada ano, a maior, aquela em que não há grande intervenção e não é queimada, e três áreas em diferentes estados de evolução pós-fogo, em função do tempo decorrido desde o último fogo controlado.
Esta diversidade de habitats permite que hoje se observe uma maior diversidade biológica, que é potenciada pelo facto dos fogos controlados serem feitos (depois do primeiro em cada parcela, que foi o mais difícil e de maior risco) com uma acumulação pequena de combustível, o que faz com que a queima não seja contínua, mas em mosaico (repare-se na segunda fotografia, e no vídeo da publicação sobre o fogo, a área realmente queimada da parcela pode andar por metade).
Se há nove anos, quando a MONTIS começou, me dissessem que estaríamos a gerir cerca de 300 hectares, 17 dos quais propriedade da MONTIS, e que na primeira propriedade grande que gerimos (cem hectares) tínhamos tido capacidade para alterar um giestal denso, contínuo e monótono numa área com uma evolução em mosaico, em que é razoável supor que dentro de vinte anos teremos bosquetes de árvores com alguma dimensão e densidade, a par de clareiras cortadas por galerias ripícolas, eu não acreditaria, nem eu, nem nenhum dos fundadores da MONTIS.
E, no entanto, com todas as frustrações resultantes de acções que não produzem tantos resultados como queríamos – por exemplo, o grau de sobrevivência das nossas plantações é relativamente baixo – a verdade é que temos vindo a demonstrar que é possível gerir terrenos e ter produção de biodiversidade com recursos compatíveis com o que a sociedade está disposta a gastar nessa actividade.
Ou melhor, que é possível gerir e que os resultados são muito bons mais rapidamente do que pensámos inicialmente.
henrique pereira dos santos
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