Um dia destes um amigo das lides ambientais defendia, mais uma vez, a ideia de que o voluntariado é uma maneira de quem não precisa, prejudicar as pessoas que precisam de trabalho.
A tese central é a de que não há trabalho voluntário que não possa ser feito por profissionais e que todo o trabalho deve ser justamente remunerado.
Esta tese toca num ponto importante que não pode ser descurado: o trabalho voluntário não pode ser encarado como uma forma barata de substituir postos de trabalho.
A Montis tem vindo a desenvolver um programa de voluntariado que tem vindo a crescer e que terá agora, no LIFE Volunteer Escapes, uma alavanca para crescer ainda mais, sobretudo no voluntariado de longa duração, tipicamente seis meses de trabalho na associação. É um programa que envolve vários outros parceiros e que está agora a ser iniciado.
Desde o início da Montis que temos vindo a investir num programa de voluntariado que começou muito lentamente, um dia por mês, três quatro pessoas por dia de trabalho. Era um programa tão pequenino que nós próprios pensámos que não teria grandes resultados visiveis na gestão do carvalhal de Vermilhas. Mesmo assim resolvemos fazê-lo, para ter as pessoas envolvidas nessa gestão, enquanto procurávamos recursos para ter maneiras mais eficientes de gerir o carvalhal.
Enganámo-nos redondamente, as intervenções regulares, embora de muito baixa intensidade, tiveram um efeito real de gestão que ultrapassou tudo o que tínhamos pensado que seria possível ter como resultado concreto, no terreno.
Quando passámos a ter mais responsabilidades de gestão, tivemos de pensar em soluções diferentes e investimos no reforço do programa de voluntariado cujos recursos foram conseguidos com uma campanha de subscrição pública, ou crowdfunding, como se lhe queira chamar.
Em nenhum momento o voluntariado foi para nós uma forma de prescindir do trabalho profissional, pelo contrário, tivemos de empenhar muito trabalho profissional para enquadrar, acompanhar e gerir o voluntariado.
E há muitas tarefas de gestão que não são feitas com recurso a voluntariado mas a trabalho profissional.
Para a Montis, o voluntariado é, antes de tudo, uma ferramenta de envolvimento de pessoas comuns na gestão directa da biodiversidade e dos valores naturais, é uma forma de reforçar os laços entre as pessoas comuns e as dificuldades e oportunidades de gestão do mundo rural e da conservação.
Também por essa razão procuramos orientar o voluntariado para tarefas que, se não fossem os voluntários, ninguém as faria.
Ontem foram plantadas, por voluntários, mais 250 carvalhos (para além de dezenas de pilriteiros e medronheiros). Poder-se-ia ter feito esta tarefa com profissionais? Sim, podia, provavelmente com custos menores que os que temos com os voluntários, com um esforço menor de envolvimento dos profisionais da Montis, etc.. Mas essas pessoas, e as outras todas que nos têm vindo a ajudar a gerir o baldio de Carvalhais, não teriam a mesmo percepção do esforço necessário para obter resultados, não teriam a mesma percepção das opções de gestão possíveis e das razões para as opções de gestão feitas, não teriam a mesma percepção do que tem funcionado e do que tem vindo a falhar, do que precisa de ser corrigido, do que deve ser abandonado e do que deve ser reforçado nas acções de gestão.
Para nós o voluntariado é sempre uma troca em que ganha a Montis (nunca agradeceremos o suficiente o que nos é dado pela generosidade dos voluntários) e ganham os voluntários, mesmo que não saibamos à partida quanto, o quê e como se ganha.
Talvez uma pequena história pessoal de ontem me ajude a explicar por que razão não subscrevemos a tese de que o voluntariado é sempre uma destruição do valor do trabalho.
Na cama de hospital ao lado da que fui visitar estava uma senhora a quem a família, de longe e de poucos recursos, não visita amiúde. Por isso fui conversar um bocadinho (o que evidentemente poderia ser feito por profissionais de acompanhamento hospitalar) com as perguntas do costume, o que para mim era não só fácil como agradável e útil: tenho verdadeiro interesse e gosto em falar com quem vive da terra há oitenta anos. Pois, inesperadamente, aprendi que os figos secos eram usados para dar força ao vinho, pondo-os dentro das pipas. Nunca tinha ouvido, registei, e fiquei com mais uma pergunta para ir fazendo quando andar pelas zonas onde se secam figos, para validar a informação e abrir portas para mais conversa sobre o que fazer com o que a terra dá para enganar a fome o ano inteiro. A espécie de voluntário que fui naquele momento acabou por produzir um resultado muito diferente do que seria produzido por profissionais: a senhora falava facilmente de feijões, couves e bezerros, eu ia aprendendo a olhar para isso tudo de forma mais sólida e isso dificilmente aconteceria numa conversa profissional de acompanhamento hospitalar.
É isto que interessa à Montis no seu programa de voluntariado: ter ganhos de gestão, é certo, mas sobretudo crescer com quem se interessa por nós, pela gestão do território, pela conservação da natureza e pelo mundo.
Mesmo que tudo o que os voluntários fazem pudesse ser substituído por trabalho profissional, mesmo que algumas das tarefas que fazemos possam, em tese, contribuir para a desvalorização do trabalho de terceiros, estamos absolutamente convencidos de que capacitar pessoas para compreenderem melhor o mundo acaba por valorizar muito mais o trabalho que fazem naquele momento, e que não é a sua actividade profissional, levando-as a valorizar muito mais o trabalho de quem vive da terra (por exemplo, nas suas futuras opções de consumo).
E, se conseguirmos isso com o programa de voluntariado, temos poucas dúvidas de que terá valido a pena investir em trazer mais pessoas para a gestão directa do património natural que nos coube em herança.
henrique pereira dos santos
A utilização dos figos no vinho é comum em várias regiões do país. Mais recentemente, como produto "gourmet" (uso aspas porque não sei se é gourmet...), usam-se figos secos em vinho do Porto. Assim, ainda que menos comum, era o uso de maçãs, logo no próprio lagar. Bom artigo e perspectiva.
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