Já antes usei esta tradução de “judo” para falar das opções
de gestão da Montis.
E já antes fiz posts assinados por mim quando sei que o que
vou escrever, embora como presidente da Montis, não corresponde a matérias
inteiramente consensuais dentro da associação.
Não são apenas as ideias de máxima eficiência com o mínimo
esforço e de bem comum que nos ligam filosoficamente ao Judo, é também a ideia
de que resistir a um adversário mais forte terá sempre como efeito a nossa
derrota, ao contrário do que acontece quando esperamos pelo ataque, o
antecipamos e nos desviamos para lhe causar um desequilíbrio que nos permita
usar a superioridade da sua força a nosso favor.
A posição da Montis sobre a gestão do fogo, um adversário
imensamente superior a nós, é talvez o mais eloquente exemplo desse caminho da
suavidade que adoptámos.
Nestes dias em que se bateu o record de área contínua ardida
acima do Mondego, bem no coração da área de actuação actual da Montis, 50 hectares
sob nossa gestão arderam, mais de 100 hectares ficaram a metros de arder.
Outras áreas de outros projectos a que demos uma ajuda
também arderam.
Como esperado, o maior valor de uma das áreas que arderam, a
magnífica galeria ripícola ao longo de dois quilómetros do Paiva, não se pode
dizer que tenha ficado intacta mas não ardeu grandemente, ao contrário de tudo
o que a rodeia. A próxima Primavera virá, com certeza, demonstrar que terá sido
muito pouco afectada pelo fogo.
Ainda não fizemos a primeira avaliação completa dos efeitos
do fogo. Na verdade, ainda só será possível avaliar a severidade do fogo, isto
é, a profundidade de afectação da parte aérea das plantas, o que está
relacionado com a temperatura do fogo e tempo de residência da chama em cada
sítio: ao contrário da ideia comum, o fogo não é uma rasoira que deixa tudo
igualmente queimado, o fogo é um elemento dinâmico que progride com muitas
variações de temperatura e velocidade, deixando atrás de sim um mosaico de
efeitos que variam na profundidade em que é afectado cada metro quadrado de
terreno.
Tirar partido dessa diversidade será pois o ponto de partida
para o que faremos nos próximos anos.
Mesmo antes da verdadeira avaliação dos efeitos do fogo, que
só na próxima Primavera pode ser feita com algum rigor, há coisas que podemos
antecipar.
A maior das urgências é
caracterizar o risco de expansão de acácias e hakeas e desenhar, o mais
rapidamente possível, um modelo de controlo desta ameaça que seja realista, tirando partido de
durante algum tempo termos um livre acesso a qualquer parte dos terrenos,
enquanto o mato não volta a atingir a dimensão que tinha. O controlo das invasoras
que beneficiam com o fogo é, para nós, a prioridade das prioridades.
Também sabemos que temos cinco a sete anos de baixíssima
probabilidade de fogo, a que se seguem outros quatro/ cinco anos com probabilidade
média de novo fogo e depois voltamos à elevada probabilidade de fogo que
caracteriza o modelo de gestão do território que existe.
Sabemos ainda que antes do fogo tínhamos numa das
propriedades o retrato quase exacto do que podemos esperar num horizonte de
dez a quinze anos: este fogo é a repetição do que aconteceu em 2005 e portanto
os valores presentes antes do fogo são o resultado da evolução em onze anos,
nomeadamente o magnífico medronhal de encosta que agora ardeu. Teremos isso em
atenção no modelo de gestão.
Nas propriedades que não arderam desta vez, e que portanto
mantêm um risco elevadíssimo de fogo, vamos manter o programado, estando muito
adiantada a possibilidade de, no baldio de Carvalhais, sermos nós a queimar no
Outono/ Primavera parte do que hoje não ardeu. Com o provável apoio da ACHLI
(esperamos um parecer do ICNF para as intervenções programadas), baixaremos o
risco de fogo nalgumas áreas, de forma controlada, com efeitos totalmente diferentes
do fogo selvagem que por ali parou. Usaremos fogos de temperaturas mais
baixas e com objectivos de gestão bem definidos: aumentar a probabilidade de
criarmos matas ripícolas ao longo das linhas de água da propriedade, como
primeiro passo para aumentar a biodiversidade, a resiliência ao fogo, a
diversidade estrutural e amenidade do uso.
Vamos manter as acções programadas de capacitação em
engenharia natural que financiaremos com o resultados da campanha de
crowdfunding, provavelmente estendendo-as aos projectos de terceiros a quem
temos dado algum apoio.
E estamos a pensar num conjunto de passeios, ao longo do
ano, pelas áreas ardidas, com especialistas em ecologia do fogo, para
respondermos à mais que justa perplexidade que nos trouxeram: “Só não entendo
porque é que tem de arder?”. Procuraremos respostas a esta perplexidade com
quem saiba ler um fogo, avaliar as suas razões e os seus efeitos e aumentar a
nossa capacidade de entender este elemento natural, tão natural como a chuva, o
vento ou a terra mas que teimamos em ver como um elemento estranho que
deveríamos eliminar.
Passo a passo, acção a acção, voltamos ao judo para
aprender: iremos aproveitar, tanto quanto conseguirmos, o desequilíbrio que o
fogo criou, não para o derrotarmos, mas para o gerir de forma socialmente mais
útil, criadora de riqueza e diversidade.
Sabemos bem que também aqui a diferença entre veneno e
remédio está na dose.
henrique pereira dos santos
Muito bem! Gosto muito desta forma de abordagem. Como sócio pouco activo da Montis por residir na zona de Lisboa, vou tentar esforçar-me por ajudar a construir do modo como aqui é proposto.
ResponderEliminarNão o conheço pessoalmente nem conhecia o que pensa sobre gestão florestal, mas depois de o ver na TV e de ler as suas opiniões no FB e, principalmente neste texto acima, tenho mesmo que lhe dizer, sem pedantismo intelectual, duas coisas, a saber: Primeiro que as suas ideias gerais e em particular sobre o uso do controlo dos matos na gestão e da procura e aproveitamento do seu controlo (tb. pelo fogo) em proveito da diversidade e do perigo das espécies lenhosas invasoras que está aí a chegar, estão muito perto das minhas (vide algumas linhas que escrevi a propósito no FB e a que não houve grande réplica, ou nenhuma); segundo, sem querer fazer brincadeira com a coisa, que a minha alguma insegurança técnica fruto da minha bastante incomum visão da gestão florestal, estava a deixar-me muito preocupado; talvez fossem lirismo absurdo. Mas estou a ver que não são. E isso deixa-me muito feliz como pessoa e com Eng. Silvicultor da escola da silvicultura germanófila em fim de prazo, pois ainda recebi aulas do António Manuel de Azevedo Gomes e ele já ensinava Ecologia Florestal. Obrigado Henrique.
ResponderEliminarLer textos como este traz-nos a esperança de que vem aí um país melhor, acreditando que está a ser preparado um melhor futuro para os nossos filhos.
ResponderEliminarQue tenham muitos êxitos, são os meus votos.